FREUD E AS ARTES
RELAÇÃO DOS TRABALHOS DE FREUD QUE
TRATAM PRINCIPALMENTE OU EM GRANDE PARTE DE ARTE, LITERATURA OU TEORIA DA
ESTÉTICA. (VOL. XXI, p. 219)
[1897 Sobre Édipo Rei e Hamlet, na Carta
71 a Fliess, de 15 de outubro de 1897. (1950a)]
[1898 ‘Die Richterin’ (‘A Juíza’), na
Carta 91 a Fliess, de 20 de junho de 1898. (1950a)]
1898 A Interpretação de Sonhos, Capítulo
V, Seção D ( ), sobre Édipo Rei e Hamlet. (1900a)
1905 Os Chistes e sua Relação com o
inconsciente. (1905c)
[1905-6 ‘Personagens Psicopáticos no
Palco’. (1942a)]
1906 Delírios e Sonhos na ‘Gradiva’ de
Jensen. (1907a)
1907 ‘Contribuição a um Questionário
sobre Leitura’.(1907d)
1907 ‘Escritores Criativos e Devaneio’.
(1908e)
1910 Uma Lembrança Infantil de Leonardo
da Vinci. (1910c)
1913 ‘O Tema dos Três Cofres’. (1913f)
[1913 ‘As Reivindicações da Psicanálise
ao Interesse Científico’, Parte II, Seção F. (1913j)
1914 ‘O Moisés de Michelangelo’. (1914b)
1915 ‘Sobre a Transitoriedade’. (1916a)
1916 ‘Alguns Tipos de Caráter Encontrados
no Trabalho Psicanalítico’. (1916d)
1917 ‘Uma Recordação Infantil de
‘Dichtung und Wahrheit‘. (1917b)
1919 ‘O Estranho’. (1919h)
1927 Pós-escrito a ‘O Moisés de
Michelangelo’. (1927b)
1927 ‘O Humor’ (1927d)
1927 ‘Dostoievski e o Parricídio.’
(1928b)
1929 Carta a Reik sobre Dostoievski.
(1930f)
1930 ‘O Prêmio Goethe’. (1930de )
1933 Prefácio a Edgar Allan Poe, de
Marie Bonaparte. (1933d)
(Data
inicial de quando foi escrito. Data final, da publicação.)
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Em: CARTA A FLIESS, 1897, vol. I, p. 316
– (LITERATURA - SHAKESPEARE ) :
“Passou-me pela cabeça uma rápida
idéia no sentido de saber se a mesma coisa [ Édipo] não estaria também no fundo
do Hamlet. Não estou pensando na intenção consciente de Shakespeare, mas
acredito, antes, que algum evento real tenha instigado o poeta à sua
representação, no sentido de que o inconsciente de Shakespeare compreendeu o
inconsciente de seu herói. Como é que o histérico Hamlet consegue justificar
suas palavras: “Assim a consciência nos torna a todos covardes”? Como é que ele
consegue explicar sua hesitação em vingar o pai assassinado através do seu tio
— ele, o homem que, sem nenhum escrúpulo, envia à morte seus cortesãos e
efetivamente se precipita ao matar Laertes?”
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Em: A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS, vol. IV,
p. 288 - ( ÉDIPO) :
Oedipus Rex é o que se
conhece como uma tragédia do destino. Diz-se que seu efeito trágico reside no
contraste entre a suprema vontade dos deuses e as vãs tentativas da humanidade
de escapar ao mal que a ameaça. A lição que, segundo se afirma, o espectador
profundamente comovido deve extrair da tragédia é a submissão à vontade divina
e o reconhecimento de sua própria impotência. Os dramaturgos modernos, por
conseguinte, tentaram alcançar um efeito trágico semelhante, tecendo o mesmo
contraste num enredo inventado por eles mesmos. Mas os espectadores ficaram a
contemplar, impassíveis, enquanto uma praga ou um vaticínio oracular se
realizava apesar de todos os esforços de algum homem inocente: as tragédias do
destino posteriores falharam em seu efeito.
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Em: PERSONAGENS PSICOPÁTICOS NO PALCO 1905,
vol. VII, p. 292 – (TEATRO)
Se a finalidade do
drama, como se supõe desde os tempos de Aristóteles, consiste em despertar
“terror e comiseração”, em produzir uma “purgação dos afetos”, pode-se
descrever esse propósito de maneira bem mais detalhada dizendo que se trata de
abrir fontes de prazer ou gozo em nossa vida afetiva, assim como, no trabalho
intelectual, o chiste ou o cômico abrem fontes similares, muitas das quais essa
atividade tornara inacessíveis. Para tal finalidade, o fator primordial é,
indubitavelmente, o desabafo dos afetos do espectador; o gozo daí resultante
corresponde, de um lado, ao alívio proporcionado por uma descarga ampla, e de
outro, sem dúvida, à excitação sexual concomitante que, como se pode supor,
aparece como um subproduto todas as vezes que um afeto é despertado, e confere
ao homem o tão desejado sentimento de uma tensão crescente que eleva seu nível
psíquico.
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Em: DELÍRIOS E SONHOS DE GRADIVA DE
JENSEN, 1906, vol. IX, p. 225 – (LITERATURA):
E
os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser
levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas
entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou
sonhar. Estão bem adiante de nós, gente comum, no conhecimento da mente, já que
se nutrem em fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência. Mas se esse
apoio dos escritores a favor de os sonhos possuírem um significado fosse menos
ambíguo! Um crítico mais severo poderia objetar que os escritores não se
manifestam nem contra nem a favor de os sonhos terem um significado psíquico,
contentando-se em mostrar como a mente adormecida se contorce sob excitações
que nela permaneceram ativas como prolongamentos do estado de vigília.
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Em: RESPOSTA A UM QUESTIONÁRIO SOBRE
LEITURA – (LITERATURA):
“Indicarei, portanto, dez ‘bons’ livros
que me vieram à mente sem muita reflexão.
Multatuli, Cartas e
Obras. [Cf. pág. 138 n.]
Kipling, Jungle Book.
Anatole France, Sur la pierre blanche.
Zola, Fécondité.
Merezhkovsky, Leonardo
da Vinci.
G. Keller, Leute von Seldwyla.
C. F. Meyer, Huttens letzte Tage.
Macaulay, Essays.
Gomperz, Griechische Denker.
Mark Twain, Sketches”
(Resposta a um questionário sobre leitura,
1906, vol.IX, p.225)
Em: ESCRITORES CRIATIVOS E DEVANEIOS,
1908, vol. IX, p. 135 – (LITERATURA)
Nós, leigos, sempre
sentimos uma intensa curiosidade — como o Cardeal que fez uma idêntica
indagação a Ariosto — em saber de que fontes esse estranho ser, o escritor
criativo, retira seu material, e como consegue impressionar-nos com o mesmo e
despertar-nos emoções das quais talvez nem nos julgássemos capazes. Nosso interesse
intensifica-se ainda mais pelo fato de que, ao ser interrogado, o escritor não
nos oferece uma explicação, ou pelo menos nenhuma satisfatória; e de forma
alguma ele é enfraquecido por sabermos que nem a mais clara compreensão interna
(insight) dos determinantes de sua escolha de material e da natureza da arte de
criação imaginativa em nada irá contribuir para nos tornar escritores
criativos.
Se ao menos pudéssemos
descobrir em nós mesmos ou em nossos semelhantes uma atividade afim à criação
literária! Uma investigação dessa atividade nos daria a esperança de obter as
primeiras explicações do trabalho criador do escritor. E, na verdade, essa
perspectiva é possível. Afinal, os próprios escritores criativos gostam de
diminuir a distância entre a sua classe e o homem comum, assegurando-nos com
muita freqüência de que todos, no íntimo, somos poetas, e de que só com o
último homem morrerá o último poeta.”
“O escritor criativo
faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que ele leva muito
a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de emoção, enquanto
mantém uma separação nítida entre o mesmo e a realidade. A linguagem preservou
essa relação entre o brincar infantil e a criação poética. Dá [em alemão] o
nome de ‘Spiel‘ [‘peça’] às formas literárias que são necessariamente ligadas a
objetos tangíveis e que podem ser representadas. Fala em ‘Lustspiel‘ ou
‘Trauerspiel‘ [‘comédia’ e ‘tragédia’: literalmente, ‘brincadeira prazerosa’ e
‘brincadeira lutuosa’], chamando os que realizam a representação de
‘Schauspieler‘ [‘atores’: literalmente, ‘jogadores de espetáculo’]. A
irrealidade do mundo imaginativo do escritor tem, porém, conseqüências
importantes para a técnica de sua arte, pois muita coisa que, se fosse real,
não causaria prazer, pode proporcioná-lo como jogo de fantasia, e muitos
excitamentos que em si são realmente penosos, podem tornar-se uma fonte de
prazer para os ouvintes e espectadores na representação da obra de um escritor.”
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Em: LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE
SUA INFANCIA, 1910, vol. XI – ( SUBLIMAÇÃO)
“Uma pessoa desse tipo poderia, por exemplo,
dedicar-se à pesquisa com o mesmo ardor com que uma outra se dedicaria ao seu
amor, e seria capaz de investigar em vez de amar. Aventuramo-nos a asseverar
que não será somente no caso Da pulsão de investigação que terá havido uma
intensificação sexual mas, também, em muitos outros casos em que um instinto se
torne sobremodo intenso.
A observação da vida
cotidiana das pessoas mostra-nos que a maioria conseguiu orientar uma boa parte
das forças resultantes da pulsão para sua atividade profissional. A pulsão
sexual presta-se bem a isso, já que é dotada de uma capacidade de sublimação:
isto é, tem a capacidade de substituir seu objetivo imediato por outros
desprovidos de caráter sexual e que possam ser mais altamente valorizados”. (P.
86)
“Será que nada existe na obra de Leonardo para
testemunhar aquilo que sua memória conservou como uma das impressões mais
fortes de sua infância? Deveríamos certamente poder encontrar alguma coisa. [...]
Qualquer pessoa que pense nas pinturas de Leonardo recordar-se-á de um sorriso
notável, ao mesmo tempo fascinante e misterioso, que ele punha os lábios de
seus modelos femininos. É um sorriso imutável, desenhado em lábios longos e
curvos; tornou-se uma característica do seu estilo e o termo `Leonardiano’ tem
sido usado para defini-lo. Este sorriso no rosto estranhamente lindo da
florentina Mona Lisa del Giocondo tem causado, em todos que o contemplam, os
efeitos mais fortes e controvertidos. [Ver Lâmina II.] Este sorriso requer uma
interpretação e de fato tem merecido as mais variadas explicações sem que
nenhuma ainda tenha conseguido satisfazer”. ( p. 113)
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Em: “O INTERESSE CIENTÍFICO DA
PSICANÁLISE”, 1913, vol. XIII – (A ARTE E O ARTISTA):
“A psicanálise
esclarece satisfatoriamente alguns dos problemas referentes às artes e aos
artistas, embora outros lhe escapem inteiramente. No exercício de uma arte
vê-se mais uma vez uma atividade destinada a apaziguar desejos não gratificados
— em primeiro lugar, do próprio artista e, subseqüentemente, de sua assistência
ou espectadores. As forças motivadoras dos artistas são os mesmos conflitos que
impulsionam outras pessoas à neurose e incentivaram a sociedade a construir
suas instituições. De onde o artista retira sua capacidade criadora não
constitui questão para a psicologia. O objetivo primário do artista é
libertar-se e, através da comunicação de sua obra a outras pessoas que sofram
dos mesmos desejos sofreados, oferecer-lhes a mesma libertação. Ele representa
suas fantasias mais pessoais plenas de desejo como realizadas; mas elas só se
tornam obra de arte quando passaram por uma transformação que atenua o que
nelas é ofensivo, oculta sua origem pessoal e, obedecendo às leis da beleza,
seduz outras pessoas com uma gratificação prazerosa. A psicanálise não tem
dificuldade em ressaltar, juntamente com a parte manifesta do prazer artístico,
uma outra que é latente, embora muito mais poderosa, derivada das fontes
ocultas da libertação instintiva. A conexão entre as impressões da infância do
artista e a história de sua vida, por um lado, e suas obras como reações a
essas impressões, por outro, constitui um dos temas mais atraentes de estudo
analítico.” (P.189)
“Quanto ao resto, a
maioria dos problemas de criação e apreciação artística esperam novos estudos,
que lançarão a luz do conhecimento analítico sobre eles, designando-lhes um
lugar na complexa estrutura apresentada pela compensação dos desejos humanos. A
arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão
artística, os símbolos e os substitutos são capazes de provocar emoções reais.
Assim, a arte constitui um meio-caminho entre uma realidade que frustra os
desejos e o mundo de desejos realizados da imaginação — uma região em que, por
assim dizer, os esforços de onipotência do homem primitivo ainda se acham em
pleno vigor”. (P.189)
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Em:
O MOISÉS DE MIGUELANGELO:
“Outras dessas
inescrutáveis e maravilhosas obras de arte é a estátua de mármore de Moisés, da
autoria de Michelangelo, situada na Igreja de San Pietro in Vincoli, em Roma.
Como sabemos, ela constitui apenas um fragmento da tumba gigantesca que o
artista deveria ter erigido para o poderoso Papa Júlio II. Sempre me deleita
ler uma frase apreciativa sobre essa estátua, tal como ser ela ‘a coroa da
escultura moderna’ (Grim [1900, 189]), porque nunca uma peça de estatuária me
causou impressão mais forte do que ela. Quantas vezes subi os íngremes degraus
que levam do desgracioso Corso Cavour à solitária piazza em que se ergue
a igreja abandonada e tentei suportar o irado desprezo do olhar do herói! Às
vezes saí tímida e cuidadosamente da semi-obscuridade do interior como se eu
próprio pertencesse à turba sobre a qual seus olhos estão voltados — a turba
que não pode prender-se a nenhuma convicção, que não tem nem fé nem paciência e
que se rejubila ao reconquistar seus ilusórios ídolos”. (P.319 )
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Em: SOBRE A TRANSITORIEDADE, 1916, vol.
XIV – (ARTISTAS):
“Um ano depois,
irrompeu o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a
beleza dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu
caminho, como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa
civilização, nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas
esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as
raças. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos
instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos que
julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação
pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez nosso país e tornou o resto
do mundo bastante remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão
efêmeras eram inúmeras coisas que consideráramos imutáveis. [...] Quando o luto
tiver terminado, verificar-se-á que o alto conceito em que tínhamos as riquezas
da civilização nada perdeu com a descoberta de sua fragilidade. Reconstruiremos
tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de forma mais
duradoura do que antes”. (P. 237)
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Em: O ESTRANHO, 1919, vol. XVII –
(ESTÉTICA):
“Só raramente um
psicanalista se sente impelido a pesquisar o tema da estética, mesmo quando por
estética se entende não simplesmente a teoria da beleza, mas a teoria das
qualidades do sentir. O analista opera em outras camadas da vida mental e pouco
tem a ver com os impulsos emocionais dominados, os quais, inibidos em seus
objetivos e dependentes de uma hoste de fatores simultâneos, fornecem
habitualmente o material para o estudo da estética. Mas acontece ocasionalmente
que ele tem de interessar-se por algum ramo particular daquele assunto; e esse
ramo geralmente revela-se um campo bastante remoto, negligenciado na literatura
especializada da estética.
O tema do ‘estranho’ é
um ramo desse tipo. Relaciona-se indubitavelmente com o que é assustador — com
o que provoca medo e horror; certamente, também, a palavra nem sempre é usada
num sentido claramente definível, de modo que tende a coincidir com aquilo que
desperta o medo em geral. Ainda assim, podemos esperar que esteja presente um
núcleo especial de sensibilidade que justificou o uso de um termo conceitual
peculiar. Fica-se curioso para saber que núcleo comum é esse que nos permite
distinguir como ‘estranhas’ determinadas coisas que estão dentro do campo do
que é amedrontador”. (p. 237)
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Em: DOSTOIEVSKI E O PARRICÍDIO, 1928,
vol. XXI – (LITERATURA)
“Quatro facetas podem
ser distinguidas na rica personalidade de Dostoievski: o artista criador, o
neurótico, o moralista e o pecador. Como encontrar o caminho nessa desnorteadora
complexidade?
O artista criador é o
menos duvidoso: o lugar de Dostoievski não se encontra muito atrás de
Shakespeare. Os Irmãos Karamassovi são o mais grandioso romance jamais
escrito; quanto ao episódio do Grande Inquisidor, um dos pontos culminantes da
literatura mundial, dificilmente qualquer valorização será suficiente. Diante
do problema do artista criador, a análise, ai de nós, temos de depor suas
armas”. (p. 237)