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HÍMEROS è um Colóquio sul-americano sobre essa temática, com 40 trabalhos já confirmados, exposição de pôsteres e vídeos, que serão selecionados, e a pré-estreia de "O ATO" - variações freudianas 2, pela Cia. Inconsciente em Cena. Confira os Palestrantes confirmados com os títulos de suas comunicações em 'PROGRAMAÇÃO'.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

FREUD E AS ARTES


FREUD E AS ARTES

RELAÇÃO DOS TRABALHOS DE FREUD QUE TRATAM PRINCIPALMENTE OU EM GRANDE PARTE DE ARTE, LITERATURA OU TEORIA DA ESTÉTICA. (VOL. XXI, p. 219)

[1897 Sobre Édipo Rei e Hamlet, na Carta 71 a Fliess, de 15 de outubro de 1897. (1950a)]

[1898 ‘Die Richterin’ (‘A Juíza’), na Carta 91 a Fliess, de 20 de junho de 1898. (1950a)]

1898 A Interpretação de Sonhos, Capítulo V, Seção D ( ), sobre Édipo Rei e Hamlet. (1900a)

1905 Os Chistes e sua Relação com o inconsciente. (1905c)

[1905-6 ‘Personagens Psicopáticos no Palco’. (1942a)]

1906 Delírios e Sonhos na ‘Gradiva’ de Jensen. (1907a)

1907 ‘Contribuição a um Questionário sobre Leitura’.(1907d)

1907 ‘Escritores Criativos e Devaneio’. (1908e)

1910 Uma Lembrança Infantil de Leonardo da Vinci. (1910c)

1913 ‘O Tema dos Três Cofres’. (1913f)

[1913 ‘As Reivindicações da Psicanálise ao Interesse Científico’, Parte II, Seção F. (1913j)

1914 ‘O Moisés de Michelangelo’. (1914b)

1915 ‘Sobre a Transitoriedade’. (1916a)

1916 ‘Alguns Tipos de Caráter Encontrados no Trabalho Psicanalítico’. (1916d)

1917 ‘Uma Recordação Infantil de ‘Dichtung und Wahrheit‘. (1917b)

1919 ‘O Estranho’.  (1919h)

1927 Pós-escrito a ‘O Moisés de Michelangelo’. (1927b)

1927 ‘O Humor’ (1927d)

1927 ‘Dostoievski e o Parricídio.’ (1928b)

1929 Carta a Reik sobre Dostoievski. (1930f)

1930 ‘O Prêmio Goethe’. (1930de )

1933 Prefácio a Edgar Allan Poe, de Marie Bonaparte. (1933d)

                        (Data inicial de quando foi escrito. Data final, da publicação.)

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Em: CARTA A FLIESS, 1897, vol. I, p. 316 – (LITERATURA -  SHAKESPEARE ) :

            “Passou-me pela cabeça uma rápida idéia no sentido de saber se a mesma coisa [ Édipo] não estaria também no fundo do Hamlet. Não estou pensando na intenção consciente de Shakespeare, mas acredito, antes, que algum evento real tenha instigado o poeta à sua representação, no sentido de que o inconsciente de Shakespeare compreendeu o inconsciente de seu herói. Como é que o histérico Hamlet consegue justificar suas palavras: “Assim a consciência nos torna a todos covardes”? Como é que ele consegue explicar sua hesitação em vingar o pai assassinado através do seu tio — ele, o homem que, sem nenhum escrúpulo, envia à morte seus cortesãos e efetivamente se precipita ao matar Laertes?”
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Em: A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS, vol. IV, p. 288 -  ( ÉDIPO) :

Oedipus Rex é o que se conhece como uma tragédia do destino. Diz-se que seu efeito trágico reside no contraste entre a suprema vontade dos deuses e as vãs tentativas da humanidade de escapar ao mal que a ameaça. A lição que, segundo se afirma, o espectador profundamente comovido deve extrair da tragédia é a submissão à vontade divina e o reconhecimento de sua própria impotência. Os dramaturgos modernos, por conseguinte, tentaram alcançar um efeito trágico semelhante, tecendo o mesmo contraste num enredo inventado por eles mesmos. Mas os espectadores ficaram a contemplar, impassíveis, enquanto uma praga ou um vaticínio oracular se realizava apesar de todos os esforços de algum homem inocente: as tragédias do destino posteriores falharam em seu efeito.
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Em: PERSONAGENS PSICOPÁTICOS NO PALCO 1905, vol. VII, p. 292 – (TEATRO)

Se a finalidade do drama, como se supõe desde os tempos de Aristóteles, consiste em despertar “terror e comiseração”, em produzir uma “purgação dos afetos”, pode-se descrever esse propósito de maneira bem mais detalhada dizendo que se trata de abrir fontes de prazer ou gozo em nossa vida afetiva, assim como, no trabalho intelectual, o chiste ou o cômico abrem fontes similares, muitas das quais essa atividade tornara inacessíveis. Para tal finalidade, o fator primordial é, indubitavelmente, o desabafo dos afetos do espectador; o gozo daí resultante corresponde, de um lado, ao alívio proporcionado por uma descarga ampla, e de outro, sem dúvida, à excitação sexual concomitante que, como se pode supor, aparece como um subproduto todas as vezes que um afeto é despertado, e confere ao homem o tão desejado sentimento de uma tensão crescente que eleva seu nível psíquico.
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Em: DELÍRIOS E SONHOS DE GRADIVA DE JENSEN, 1906, vol. IX, p. 225 – (LITERATURA):
           
 E os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar. Estão bem adiante de nós, gente comum, no conhecimento da mente, já que se nutrem em fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência. Mas se esse apoio dos escritores a favor de os sonhos possuírem um significado fosse menos ambíguo! Um crítico mais severo poderia objetar que os escritores não se manifestam nem contra nem a favor de os sonhos terem um significado psíquico, contentando-se em mostrar como a mente adormecida se contorce sob excitações que nela permaneceram ativas como prolongamentos do estado de vigília.

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Em: RESPOSTA A UM QUESTIONÁRIO SOBRE LEITURA – (LITERATURA):

“Indicarei, portanto, dez ‘bons’ livros que me vieram à mente sem muita reflexão.

Multatuli, Cartas e Obras. [Cf. pág. 138 n.]
Kipling, Jungle Book.
Anatole France, Sur la pierre blanche.
Zola, Fécondité.
Merezhkovsky, Leonardo da Vinci.
G. Keller, Leute von Seldwyla.
C. F. Meyer, Huttens letzte Tage.
Macaulay, Essays.
Gomperz, Griechische Denker.
Mark Twain, Sketches”

 (Resposta a um questionário sobre leitura, 1906, vol.IX, p.225)


Em: ESCRITORES CRIATIVOS E DEVANEIOS, 1908, vol. IX, p. 135 – (LITERATURA)

Nós, leigos, sempre sentimos uma intensa curiosidade — como o Cardeal que fez uma idêntica indagação a Ariosto — em saber de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material, e como consegue impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoções das quais talvez nem nos julgássemos capazes. Nosso interesse intensifica-se ainda mais pelo fato de que, ao ser interrogado, o escritor não nos oferece uma explicação, ou pelo menos nenhuma satisfatória; e de forma alguma ele é enfraquecido por sabermos que nem a mais clara compreensão interna (insight) dos determinantes de sua escolha de material e da natureza da arte de criação imaginativa em nada irá contribuir para nos tornar escritores criativos.
Se ao menos pudéssemos descobrir em nós mesmos ou em nossos semelhantes uma atividade afim à criação literária! Uma investigação dessa atividade nos daria a esperança de obter as primeiras explicações do trabalho criador do escritor. E, na verdade, essa perspectiva é possível. Afinal, os próprios escritores criativos gostam de diminuir a distância entre a sua classe e o homem comum, assegurando-nos com muita freqüência de que todos, no íntimo, somos poetas, e de que só com o último homem morrerá o último poeta.”

“O escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre o mesmo e a realidade. A linguagem preservou essa relação entre o brincar infantil e a criação poética. Dá [em alemão] o nome de ‘Spiel‘ [‘peça’] às formas literárias que são necessariamente ligadas a objetos tangíveis e que podem ser representadas. Fala em ‘Lustspiel‘ ou ‘Trauerspiel‘ [‘comédia’ e ‘tragédia’: literalmente, ‘brincadeira prazerosa’ e ‘brincadeira lutuosa’], chamando os que realizam a representação de ‘Schauspieler‘ [‘atores’: literalmente, ‘jogadores de espetáculo’]. A irrealidade do mundo imaginativo do escritor tem, porém, conseqüências importantes para a técnica de sua arte, pois muita coisa que, se fosse real, não causaria prazer, pode proporcioná-lo como jogo de fantasia, e muitos excitamentos que em si são realmente penosos, podem tornar-se uma fonte de prazer para os ouvintes e espectadores na representação da obra de um escritor.”

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Em: LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE SUA INFANCIA, 1910, vol. XI  –  ( SUBLIMAÇÃO)

 “Uma pessoa desse tipo poderia, por exemplo, dedicar-se à pesquisa com o mesmo ardor com que uma outra se dedicaria ao seu amor, e seria capaz de investigar em vez de amar. Aventuramo-nos a asseverar que não será somente no caso Da pulsão de investigação que terá havido uma intensificação sexual mas, também, em muitos outros casos em que um instinto se torne sobremodo intenso.
A observação da vida cotidiana das pessoas mostra-nos que a maioria conseguiu orientar uma boa parte das forças resultantes da pulsão para sua atividade profissional. A pulsão sexual presta-se bem a isso, já que é dotada de uma capacidade de sublimação: isto é, tem a capacidade de substituir seu objetivo imediato por outros desprovidos de caráter sexual e que possam ser mais altamente valorizados”. (P. 86)


 “Será que nada existe na obra de Leonardo para testemunhar aquilo que sua memória conservou como uma das impressões mais fortes de sua infância? Deveríamos certamente poder encontrar alguma coisa. [...] Qualquer pessoa que pense nas pinturas de Leonardo recordar-se-á de um sorriso notável, ao mesmo tempo fascinante e misterioso, que ele punha os lábios de seus modelos femininos. É um sorriso imutável, desenhado em lábios longos e curvos; tornou-se uma característica do seu estilo e o termo `Leonardiano’ tem sido usado para defini-lo. Este sorriso no rosto estranhamente lindo da florentina Mona Lisa del Giocondo tem causado, em todos que o contemplam, os efeitos mais fortes e controvertidos. [Ver Lâmina II.] Este sorriso requer uma interpretação e de fato tem merecido as mais variadas explicações sem que nenhuma ainda tenha conseguido satisfazer”. ( p.  113)

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Em: “O INTERESSE CIENTÍFICO DA PSICANÁLISE”, 1913, vol. XIII – (A ARTE E O ARTISTA): 

“A psicanálise esclarece satisfatoriamente alguns dos problemas referentes às artes e aos artistas, embora outros lhe escapem inteiramente. No exercício de uma arte vê-se mais uma vez uma atividade destinada a apaziguar desejos não gratificados — em primeiro lugar, do próprio artista e, subseqüentemente, de sua assistência ou espectadores. As forças motivadoras dos artistas são os mesmos conflitos que impulsionam outras pessoas à neurose e incentivaram a sociedade a construir suas instituições. De onde o artista retira sua capacidade criadora não constitui questão para a psicologia. O objetivo primário do artista é libertar-se e, através da comunicação de sua obra a outras pessoas que sofram dos mesmos desejos sofreados, oferecer-lhes a mesma libertação. Ele representa suas fantasias mais pessoais plenas de desejo como realizadas; mas elas só se tornam obra de arte quando passaram por uma transformação que atenua o que nelas é ofensivo, oculta sua origem pessoal e, obedecendo às leis da beleza, seduz outras pessoas com uma gratificação prazerosa. A psicanálise não tem dificuldade em ressaltar, juntamente com a parte manifesta do prazer artístico, uma outra que é latente, embora muito mais poderosa, derivada das fontes ocultas da libertação instintiva. A conexão entre as impressões da infância do artista e a história de sua vida, por um lado, e suas obras como reações a essas impressões, por outro, constitui um dos temas mais atraentes de estudo analítico.” (P.189)

“Quanto ao resto, a maioria dos problemas de criação e apreciação artística esperam novos estudos, que lançarão a luz do conhecimento analítico sobre eles, designando-lhes um lugar na complexa estrutura apresentada pela compensação dos desejos humanos. A arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão artística, os símbolos e os substitutos são capazes de provocar emoções reais. Assim, a arte constitui um meio-caminho entre uma realidade que frustra os desejos e o mundo de desejos realizados da imaginação — uma região em que, por assim dizer, os esforços de onipotência do homem primitivo ainda se acham em pleno vigor”. (P.189)

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 Em: O MOISÉS DE MIGUELANGELO:

“Outras dessas inescrutáveis e maravilhosas obras de arte é a estátua de mármore de Moisés, da autoria de Michelangelo, situada na Igreja de San Pietro in Vincoli, em Roma. Como sabemos, ela constitui apenas um fragmento da tumba gigantesca que o artista deveria ter erigido para o poderoso Papa Júlio II. Sempre me deleita ler uma frase apreciativa sobre essa estátua, tal como ser ela ‘a coroa da escultura moderna’ (Grim [1900, 189]), porque nunca uma peça de estatuária me causou impressão mais forte do que ela. Quantas vezes subi os íngremes degraus que levam do desgracioso Corso Cavour à solitária piazza em que se ergue a igreja abandonada e tentei suportar o irado desprezo do olhar do herói! Às vezes saí tímida e cuidadosamente da semi-obscuridade do interior como se eu próprio pertencesse à turba sobre a qual seus olhos estão voltados — a turba que não pode prender-se a nenhuma convicção, que não tem nem fé nem paciência e que se rejubila ao reconquistar seus ilusórios ídolos”. (P.319  )

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Em: SOBRE A TRANSITORIEDADE, 1916, vol. XIV – (ARTISTAS):

“Um ano depois, irrompeu o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a beleza dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho, como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização, nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez nosso país e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram inúmeras coisas que consideráramos imutáveis. [...] Quando o luto tiver terminado, verificar-se-á que o alto conceito em que tínhamos as riquezas da civilização nada perdeu com a descoberta de sua fragilidade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes”. (P. 237)



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Em: O ESTRANHO, 1919, vol. XVII – (ESTÉTICA):

“Só raramente um psicanalista se sente impelido a pesquisar o tema da estética, mesmo quando por estética se entende não simplesmente a teoria da beleza, mas a teoria das qualidades do sentir. O analista opera em outras camadas da vida mental e pouco tem a ver com os impulsos emocionais dominados, os quais, inibidos em seus objetivos e dependentes de uma hoste de fatores simultâneos, fornecem habitualmente o material para o estudo da estética. Mas acontece ocasionalmente que ele tem de interessar-se por algum ramo particular daquele assunto; e esse ramo geralmente revela-se um campo bastante remoto, negligenciado na literatura especializada da estética.
O tema do ‘estranho’ é um ramo desse tipo. Relaciona-se indubitavelmente com o que é assustador — com o que provoca medo e horror; certamente, também, a palavra nem sempre é usada num sentido claramente definível, de modo que tende a coincidir com aquilo que desperta o medo em geral. Ainda assim, podemos esperar que esteja presente um núcleo especial de sensibilidade que justificou o uso de um termo conceitual peculiar. Fica-se curioso para saber que núcleo comum é esse que nos permite distinguir como ‘estranhas’ determinadas coisas que estão dentro do campo do que é amedrontador”. (p. 237)
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Em: DOSTOIEVSKI E O PARRICÍDIO, 1928, vol. XXI – (LITERATURA)

“Quatro facetas podem ser distinguidas na rica personalidade de Dostoievski: o artista criador, o neurótico, o moralista e o pecador. Como encontrar o caminho nessa desnorteadora complexidade?
O artista criador é o menos duvidoso: o lugar de Dostoievski não se encontra muito atrás de Shakespeare. Os Irmãos Karamassovi são o mais grandioso romance jamais escrito; quanto ao episódio do Grande Inquisidor, um dos pontos culminantes da literatura mundial, dificilmente qualquer valorização será suficiente. Diante do problema do artista criador, a análise, ai de nós, temos de depor suas armas”. (p. 237)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

ARTES PLÁSTICAS EM LACAN



  LEONARDO DAVINCI
  “Vocês sabem, o fato de  que a sublimação é uma tendência que incide sobre objetos que não são os objetos primitivos, mas os objetos mais elevados do que é oferecido à consideração humana e inter-humana, Freud só acrescentou mais tarde algumas complementações, mostrando o papel que podia desempenhar a sublimação na instauração dos interesses do eu.
Este termo, sublimação, foi desde então retomado por um certo número de autores da comunidade psicanalítica, que o ligam à noção de neutralização, de desinstintualização do instinto.Devo dizer que aí está algo de muito difícil de conceber: uma deslibidinação da libido, uma desagressivação da agressividade. Eis os termos mais amáveis que vemos, mais correntemente, florescer sob a pena de Hartmann e Loewenstein. Praticamente, não nos esclarecem sobre o mecanismo da sublimação.
O interesse de um estudo como o de Leonardo da Vinci por Freud é que nós podemos, ali, tomar algumas idéias, pelo menos  iniciar uma reflexão que nos pode permitir fazer repousar o termo sublimação sobre uma base mais estruturada que a noção de um instinto que se desinstintualiza, até mesmo de um objeto que, como se diz, se torna mais sublime: pois pareceria, ao acompanhar nossos psicólogos do ego, que seja o Stuff   da sublimação”. (Lacan, 1956-57, Sem. 4, p. 442)
                                                       
“Leonardo Da Vinci foi ele próprio objeto de uma idealização, senão de uma sublimação, que começou durante sua vida, e que tende a fazer dele uma espécie de gênio universal e, além disso, precursor espantoso do pensamento moderno. Isso é o que sustentam alguns, e mesmo críticos muitos eruditos, que começaram – como Freud, alias – a deslindar o problema. Outros fazem o mesmo em planos diversos do da arte. Duhem, por exemplo, diz que Leonardo da Vinci havia entrevisto a lei da queda dos corpos, ou mesmo o princípio da inércia. Um exame um pouco rigoroso do ponto de vista da história das ciências mostra que não é nada disso, Todavia, é claro que Leonardo da Vinci fez descobertas surpreendentes, e que os desenhos que ele nos deixa na ordem da cinemática, da dinâmica, da mecânica,da balística, dão conta, com freqüência, de uma percepção extraordinariamente  pertinente, muito à frente de seu tempo, o que não nos permite de modo algum acreditar que não houvesse, em todos estes planos, trabalhos já muito adiantados na matematização,especialmente, por exemplo, da cinemática.”   (p. 443)

“Parece vir à idéia que, correlativamente a toda sublimação,isto é, ao processo de dessubjetivação ou de naturalização do Outro que constituiria seu fenômeno essencial, vê-s sempre se produzir, no nível do imaginário, sob ma forma mais ou menos acentuada conforme a maior ou menor perfeição desta sublimação, uma inversão das relações entre o eu e o outro.
 Teríamos realmente, assim, no caso de Leonardo da Vinci, alguém que se dirige e comanda a si mesmo a partir de seu outro imaginário. Sua escrita em seu espelho estaria ligada,pura e simplesmente, à sua própria posição diante de si mesmo. Teríamos aqui o mesmo tipo de alienação radical daquela sobre a qual concluí meu último seminário a propósito da amnésia do pequeno Hans.
Estas era, então, uma questão que eu formulava. É também com uma questão que vou terminar hoje: a de saber se o processo que chamamos de sublimação, ou psicologização, ou alienação, ou egotização, não comporta, em sua própria direção, uma dimensão correlata, aquela pela qual o ser esquece a si mesmo como objeto imaginário do outro.
Com efeito, existe para o ser uma possibilidade fundamental de esquecimento no eu (moi) imaginário”.  (p.450)
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HOLBEIN

“Vou agora fazer circular entre vocês algo que data de uma centena de anos antes, 1533, uma reprodução de um quadro que, penso, todos vocês conhecem – Os Embaixadores, pintado por Hans Holbein. Os que o conhecem poderão rememorá-lo  pela reprodução. Os que não o conhecem deverão considerá-lo com atenção. Voltarei a isto daqui a pouco”. (Lacan, 1964-65, p.85)


“No quadro de Holbein, logo lhes mostrei – sem mais dissimular, do que tenho hábito de fazer, a outra face das cartas – o singular objeto flutuando no primeiro no primeiro plano, que está lá para olhar, para pegar, quase diria, para pegar na armadilha, aquele que olha,  quer dizer, nós. É, em suma, um modo manifesto, sem dúvida excepcional e devido a não sei que momento de reflexão do pintor, de nos mostrar que, enquanto sujeito, estamos para dentro do quadro literalmente chamados, e aqui representados como pegos. Pois o segredo desse quadro, de que lhes lembrei as ressonâncias, o parentesco com as vanitas, desse quadro fascinante por apresentar, entre dois personagens paramentados e fixados, tudo que relembra, na perspectiva da época, a vaidade das artes e das ciências – o segredo desse quadro é dado no momento em que, afastando-nos ligeiramente dele, pouco a pouco, para a esquerda, e depois nos voltando, vemos o que significa o objeto flutuante mágico. Ele nos reflete nosso próprio nada, na figura do crânio de caveira. Utilização, portanto, da dimensão geometral da visão para cativar o sujeito, relação evidente ao desejo que, no entanto, resta enigmático”. (p.91)


“A função do quadro – em relação àquele a quem o pintor, literalmente dá a ver seu quadro – tem uma relação com o olhar. Essa relação não é, como pareceria à primeira vista, de ser armadilha de olhar. Poderíamos crer que, como o ator, o pintor visa ao você-me-viu, e deseja ser olhado. Não creio nisto. Creio que há uma relação ao olhar do aficionado, mas que é mais complexa. O pintor, àquele que deverá estar diante de seu quadro, oferece algo que em toda parte, pelo menos, da pintura, poderia resumir-se assim – Queres olhar? Pois bem, veja então isso! Ele oferece algo como pastagem para o olho, mas convida aquele a quem o quadro é apresentado a depor ali o seu olhar, como se depõem as armas. Aí está o efeito pacificador, apolíneo, da pintura. Algo é dado não tanto ao olhar quanto ao olho, algo que comporta abandono, deposição do olhar.(p.99)


“O que é que nos seduz e nos satisfaz no trompe-l’oeil? Quando é que ele nos cativa e nos põe em jubilação? No momento em que, por um simples desdobramento de nosso olhar, podemos nos dar conta de que a representação não se move com ele, e que ali há apenas trompe-l’oeil. Pois nesse momento ele aparece como sendo coisa diferente daquilo pelo que ele se dava, ou melhor, ele se dá agora como sendo essa outra coisa. O quadro não rivaliza com a aparência, ele rivaliza com o que Platão nos designa mais além da aparência como sendo a Ideia. É porque o quadro é essa aparência que diz que ela é o que dá aparência, que Platão se insurge contra a pintura como contra uma atividade rival da sua.(p.109)
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MUNCH

“Para aqueles que hesitariam, encarno o que quero dizer – penso na pintura de um Munch, de um James Ensor, de um Kubin, ou ainda nessa pintura que, curiosamente, poderíamos situar de maneira geográfica como tendo sede no que em nossos dias se concentra da pintura de Paris. Em que dia veremos serem forçados os limites desta sede? – é mesmo, se acredito no pintor André Masson com quem falava disso recentemente, a questão mais atual. Pois bem, indicar referências como essas, não é de modo algum entrar no jogo histórico, movente, da crítica, a qual tenta sacar qual seja a função da pintura num dado momento, em tal autor ou em tal tempo. Para mim, é no princípio radical da função dessa bela-arte que tendo me colocar. (p. 107)
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CÉZANNE

“Sublinho primeiro que foi partindo da pintura que Maurice Merleau-Ponty foi mais especialmente levado a inverter a relação que, desde sempre, foi feita pelo pensamento, entre o olho e o espírito. Que a função do pintor é coisa completamente diferente da organização do campo da representação em que o filósofo nos mantinha em nosso estatuto de sujeito, é isto que ele demarcou admiravelmente partindo do que chama, com o próprio Cézanne, esses azuizinhos, esses marronzinhos, esses branquinhos, esses toques que chovem do pincel do pintor”. ( p.107)
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CARAVAGGIO

“[falta página 108] ... vamos que o sucesso de tal empresa não implica em nada de as uvas serem admiravelmente reproduzidas, tal como as que podemos ver na cesta que segura o Baco de Caravaggio, nos Uffizzi. Se as uvas fossem assim, é pouco provável que os pássaros se tivessem enganado, pois por que veriam os pássaros uvas nesse estilo que força as coisas? Deve haver ali algo de mais reduzido, de mais próximo do signo, no que pode constituir para os pássaros a uva como sua presa. Mas o exemplo oposto de Parrasios torna claro que ao querer enganar um homem, o que lhe apresentamos é a pintura de uma cortina, quer dizer, de algo mais além do qual ele quer ver”.(p.109)
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MATISSE 

“Voltamos agora aos azuizinhos, branquinhos, marronzinhos de Cézanne, ou ainda ao que Maurice Merleau-Ponty de modo tão bonito põe como exemplo numa passagem de Signos, a essa estranheza do filme em câmera lenta onde se vê Matisse pintando. O importante é que o próprio Matisse ficou baratinado com o filme. Maurice Merleau-Ponty sublinha o para (p.110)
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VAN GOGH

“Era preciso nada menos do que uma experiência onde fosse tão intensamente reunida a universalidade que comporta o que é próprio aos sapatos no universitário, com o que podia apresentar de absolutamente particular a pessoa do professor D, para que eu possa convidá-los simplesmente a pensar agora nos velhos sapatos de Van Gogh, dos quais Heidegger nos deu a imagem maravilhante do que é uma obra de beleza.
É preciso que imaginem as botinas do professor D ohne Begriff, sem a concepção do universitário, sem relação alguma com sua personalidade tão atraente, para que vocês comecem a ver as botinas de Van Gogh viverem, adquirirem vida em sua incomensurável qualidade de belo”.
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SALVADOR DALI:
“Para produzir agora, numa retrospectiva, os trabalhos de nossa entrada na psicanálise, relembraremos por onde essa entrada se fez.
 Médico e psiquiatra, havíamos introduzido, sob a rubrica de “conhecimento paranoico”, algumas resultantes de um método clínico de exaustão do qual nossa tese de medicina constituiu um ensaio<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->.
 Mas do que evocar o grupo (Évolution Psychiatrique) que de bom grado lhes acolheu a exposição, ou o eco que elas tiveram no meio surrealista, onde se reatou um antigo vínculo por uma nova retomada – Dali, Crevel, a paranoia crítica e o Claveci de Diderot, cujos rebentos encontram-se nos primeiros números do Minotaure<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> -, apontaremos a origem desse interesse.” (LACAN, 1998, Escritos, p.69)

SUBLIMAÇÃO E CRIAÇÃO




“Aproximamo-nos, agora, do que Freud disse de mais profundo sobre a natureza da Triebe, e especialmente na medida em que estes podem fornecer ao sujeito matéria para a satisfação de mais de uma maneira, nomeadamente deixando aberta a porta, a via, a carreira da sublimação. Até agora, isso permaneceu, no pensamento analítico, um domínio quase reservado no qual apenas os mais audaciosos ousaram tocar e, ainda por cima, não sem manifestar a insatisfação, a sede em que as formulações de Freud os deixaram. Vamo-nos referir aqui a alguns textos extraídos de mais de um ponto de sua obra, desde os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade até Moisés e o monoteísmo, passando pelo Einführung, as Vorlesungen e o Mal-estar da civilização.
Freud incita-nos a refletir sobre a sublimação, ou mais exatamente, propõe-nos, à maneira pela qual ele mesmo tenta definir seu campo, todo tipo de dificuldades que merecem que nos detenhamos nela hoje.”
                                                           (LACAN, 1986, Seminário 7, p.115)


“Evitei a palavra Objekt. Que no entanto, aparece a todo instante em sua escrita desde que se trata de diferenciar aquilo de que se trata no que diz respeito à sublimação.  O que quer que ele faça, não pode qualificar a forma sublimada do instinto sem referência ao objeto.  Vou ler para vocês daqui a pouco as passagens que lhes mostrarão onde está o móvel da dificuldade encontrada.
Trata-se do objeto.  Mas, o que quer dizer isso, objeto, nesse nível?  Quando Freud começa, no início dos modos de acentuação de sua doutrina, em sua primeira tópica, a articular aquilo que concerne à sublimação, nomeadamente nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, a sublimação caracteriza-se por uma mudança nos objetos, ou na libido, que não se faz por intermédio de um retorno do recalcado, que não se faz sintomaticamente, indiretamente, mas diretamente, de uma maneira que se satisfaz diretamente.  A libido vem encontrar sua satisfação nos objetos  -  como distingui-los inicialmente?  Muito simplesmente, muito massivamente, e, para dizer a verdade, não sem abrir um campo de perplexidade infinita, como objetos socialmente valorizados, objetos aos quais o grupo pode dar sua aprovação, uma vez que são objetos de utilidade pública.  É desse modo que a possibilidade de sublimação é definida.” 
                                  (LACAN, idem, p. 119)


“A sociedade encontra uma certa felicidade nas miragens que lhes fornecem moralistas, artistas, artesãos, fabricantes de vestidos ou de chapéus, os criadores de formas imaginárias.  Mas não é apenas na sanção que ela confere a isso, ao se contentar, que devemos buscar o móvel da sublimação.  É na função imaginária, muito especialmente, aquela a propósito da qual a simbolização da fantasia ($a)  nos servirá, que é a forma na qual o desejo do sujeito se apoia. 
Nas formas especificadas historicamente, socialmente, os elementos a, elementos imaginários da fantasia, vêm recobrir, engodar o sujeito no ponto mesmo de das Ding.  É aqui que faremos incidir a questão da sublimação, e é por isso que lhes falarei, da próxima vez, do amor cortês na Idade Média e nomeadamente Minnesang.” 
                                 (LACAN, idem, p.126)


“Reparem que não há avaliação correta possível da sublimação na arte se não pensamos nisso  -  que toda a produção da arte, especialmente das Belas-Artes, é historicamente datada.  Não se pinta na época de Picasso como se pintava na época de Velásquez, não se escreve tampouco um romance em 1930 como se escrevia no tempo de Stendhal.  Este é um elemento absolutamente essencial que não devemos, por enquanto, conotar no registro do coletivo ou do individual  -  coloquemo-lo no registro do cultural.  O que é que a sociedade pode aí encontrar de satisfatório?  É o que para nós se encontra agora colocado em questão.
É aí que reside o problema da sublimação, uma vez que é criadora de um certo número de formas, da qual a arte não é a única  -  e para nós tratar-se-á de uma arte em particular, a arte literária, tão próxima para nós do domínio ético.  Pois é em função do problema ético que devemos julgar essa sublimação enquanto criadora de tais valores, socialmente reconhecidos.”
                                 (LACAN, idem, p.135)


“Era uma coleção que se podia facilmente fazer nessa época, era talvez mesmo tudo o que havia para se colecionar. Só que as caixas de fósforos se apresentavam desta maneira  -  todas eram as mesmas e dispostas de uma maneira extremamente graciosa que consistia no fato de que, cada uma tendo sido aproximada da outra por um ligeiro deslocamento da gaveta interior, se encaixavam umas nas outras, formando uma fita coerente que corria sobre o rebordo da lareira, subia na murada, passava de ponta a ponta pelas cimalhas e descia de novo ao longo de uma porta.  Não digo que ia desse modo ao infinito, mas era excessivamente satisfatório do ponto de vista ornamental. 
Não creio, todavia, que isso fosse o principal e a substância do que esse colecionismo tinha de surpreendente, e a satisfação que daí poderia obter aquele que era responsável por isso.  Creio que o choque, a novidade, do efeito realizado por esse ajuntamento de caixas de fósforos vazias  -  esse ponto é essencial  -  era de fazer aparecer isto, no qual talvez nos detenhamos demasiadamente pouco, é que uma caixa de fósforos não é de modo algum simplesmente um objeto, mas pode, sob a forma, Erscheinung, em que estava proposta em sua multiplicidade verdadeiramente imponente, ser uma Coisa.” 
                                 (LACAN, idem, p.143)


“Aqui está nosso encontro marcado com o emprego da linguagem que, pelo menos para a sublimação da arte, nunca hesita em falar de criação. A noção de criação deve ser promovida agora por nós, com o que ela comporta, um saber da criatura e do criador, pois ele é central não apenas em nosso tema, o motivo da sublimação, mas no da ética no sentido mais amplo. 
Estabeleço isto  -  um objeto pode preencher essa função que lhe permite  não evitar a Coisa como significante, mas representá-la na medida em que esse objeto é criado.  Por meio de um apólogo que nos é fornecido pela corrente das gerações, e que nada nos proíbe utilizar, vamo-nos referir à função artística talvez mais primitiva, a do oleiro.”
                                     (LACAN, idem, p.150-1)


“Quero simplesmente, hoje, ater-nos à distinção elementar, no vaso, entre seu emprego de utensílio e sua função significante. Se ele é deveras significante e se é o primeiro significante modelado pelas mãos do homem, ele não é significante, em sua essência de significante, de outra coisa senão de tudo o que é significante  -  em outros termos, de nada particularmente significado.  Heidegger o coloca no centro da essência do céu e da terra.  Ele vincula primitivamente pela virtude do ato de libação, pelo fato de sua  dupla orientação  -  para cima para receber, em relação à terra da qual ele eleva alguma coisa.  É justamente esta a função do vaso.
Esse nada de particular que o caracteriza em sua função significante é justamente, em sua forma encarnada, aquilo que caracteriza o vaso como tal.  É justamente o vazio que ele cria, introduzindo assim a própria perspectiva de preenchê-lo.  O vazio e o pleno são introduzidos pelo vaso num mundo que, por si mesmo, não conhece semelhante.   É a partir desse significante modelado que é o vaso, que o vazio e o pleno entram como tais no mundo, nem mais nem menos, e com o mesmo sentido.” 
                                    (LACAN, idem, p.151-2)


“Essa Coisa é acessível em exemplos muito elementares que são quase da natureza da demonstração filosófica clássica, com a ajuda do quadro-negro e do pedaço de giz.  Da última vez, tomei o exemplo esquemático do vaso para permitir-lhes apreender onde se situa a Coisa na relação que coloca o homem em função do medium entre o real e o significante.  Essa Coisa, da qual todas as formas criadas pelo homem são do registro da sublimação, será sempre representada por um vazio, precisamente pelo fato de ela não poder  ser representada por outra coisa  -  ou, mais exatamente, de ela não poder ser representada senão por outra coisa.  Mas, em toda forma de sublimação, o vazio será determinante.” 
                                 (LACAN, idem, p.162)


“Estou dizendo, portanto, que o interesse pela anamorfose é descrito como o ponto de virada em que, dessa ilusão do espaço, o artista reverte completamente sua utilização e se esforça para fazê-la entrar na meta primitiva, ou seja, de fazer dela o suporte dessa realidade enquanto escondida - uma vez que, de uma certa maneira, numa obra de arte trata-se sempre de cingir a Coisa.
Isso nos permite abordar um pouco mais de perto essa questão não resolvida referente aos fins da arte  -  a finalidade da arte é de imitar ou de não imitar?   A arte imita o que ela representa?  Quando entramos nessa maneira de colocar a questão, já estamos enredados e não há nenhum meio de não permanecer no impasse em que estamos entre a arte figurativa e a arte abstrata.”
                                 (LACAN, idem, p.175)


“O que nos interessa do ponto de vista da estrutura é que uma atividade de criação poética possa ter exercido uma influência determinante - secundariamente em seus prolongamentos históricos - nos costumes, num momento em que a origem e as palavras chaves do assunto foram esquecidas. Mas não podemos julgar da função dessa criação sublimada senão nos balizamentos de estrutura.
O objeto, nomeadamente aqui o objeto feminino, se introduz pela porta mui singular da privação, da inacessibilidade.  Qualquer que seja a posição social daquele que funciona nesse registro  -  alguns são por vezes servidores  -  sirvens, com respeito a seu nascimento  -  Bernardo de Ventadour, por exemplo, era filho de um servidor no castelo de Ventadour, ele também trovador  -, a inacessibilidade do objeto é aí colocada desde o início. 
Não há possibilidade de cantar a Dama, em sua posição poética sem o pressuposto de uma barreira que a cerque e a isole. 
Por outro lado, esse objeto, a  Domnei como é chamada, mas ela é frequentemente invocada por um termo masculinizado  -  Mi Dom, isto é,  meu senhor  -  essa Dama é apresentada, portanto, com caracteres despersonalizados, de tal forma que autores puderam notar que todos parecem dirigir-se à mesma pessoa.” 
                                 (LACAN, idem, p.185)


“A sublimação não é, com efeito, o que um zé povinho acha e nem sempre se exerce obrigatoriamente no sentido do sublime.  A mudança de objeto não faz desaparecer forçosamente, bem longe disso, o objeto sexual  -  o objeto sexual, ressaltado como tal, pode vir à luz na sublimação.  O jogo sexual mais cru pode ser objeto de uma poesia sem que esta perca, no entanto, uma visada sublimadora.”
                                 (LACAN, idem, p.198)


“Quanto a isso, Freud foi de uma prudência singular. Sobre a natureza do que se manifesta de criação no belo, o analista, segundo ele, nada tem a dizer. No domínio cifrado do valor da obra de arte, encontramo-nos numa posição que não é nem mesmo a dos colegiais, mas de catadores de migalhas. Não é só isso, e o texto de Freud se mostra muito fraco a esse respeito. A definição que ele dá da sublimação em jogo na criação do artista só faz mostrar-nos a contrapartida, diria, o retorno dos efeitos do que ocorre no nível da sublimação da pulsão, quando o resultado, a obra do criador de belo, retorna para o campo dos bens, ou seja, quando se tornaram mercadorias. É bem preciso dizer que o resumo que Freud nos dá do que é a carreira do artista é quase grotesca  -  o artista, diz ele, dá forma bela ao desejo proibido, para que cada um comprando dele seu pequeno produto de arte, recompense e sancione sua audácia.  Isso é justamente uma maneira de abordar o problema por um atalho.  E Freud, aliás, tem perfeitamente consciência dos limites nos quais ele se confina, de uma maneira manifestamente visível quando se acrescenta a isso o problema da criação, já que ele o afasta como sendo fora do alcance de nossa experiência.” 
                                (LACAN, idem, p.289)


“De fato, não esqueçamos de que o termo de catarse permanece singularmente isolado na Poética, onde o recolhemos. Não que ele aí não seja desenvolvido e comentado, mas até a descoberta de um novo papiro, nada saberemos sobre ele. Pois, suponho que o saibam, da Poética temos apenas uma parte, aproximadamente a metade.  E na metade que temos, não há nada mais além desse trecho que nos fale da catarse.  Sabemos que há mais sobre ela, pois Aristóteles diz, no livro VIII na numeração da grande edição clássica Didot da Política  -  Essa catarse sobre a qual me expliquei em outro lugar na Poética.  Trata-se, no livro VIII, da catarse com respeito à música, e é aí que, devido ao acaso das coisas, aprendemos muito mais sobre ela.
A catarse é aqui apaziguamento, obtido a partir de uma certa música,  da qual Aristóteles não espera o efeito ético, nem tampouco tal efeito prático, mas o efeito de entusiasmo.  Trata-se então da música mais inquietante, daquela que lhes arrancava as tripas, que os fazia sair de si mesmos, como para nós o hot ou o rock’n roll, e quanto à qual tratava-se de saber para a sabedoria antiga se era preciso ou não proibi-la.” 
                                 (LACAN, idem, p.298)


“Essa visada se dirige a uma imagem que detém não sei que mistério até aqui não articulado, já que ele fazia os olhos pestanejar num momento em que se a olhava. Essa imagem está, no entanto, no centro da tragédia, visto que é a imagem fascinante da própria Antígona. Pois bem, sabemos que para além dos diálogos, para além da família e da pátria, para além dos desenvolvimentos moralizadores, é ela que nos fascina, em seu brilho insuportável, naquilo que ela tem que nos retém e, ao mesmo tempo, nos interdita, no sentido em que isso nos intimida, no que ela tem de desnorteante  -  essa vítima tão terrivelmente voluntária.
É do lado dessa atração que devemos procurar o verdadeiro sentido, o verdadeiro mistério, o verdadeiro alcance da tragédia  -  do lado dessa comoção que ela comporta, do lado das paixões certamente, mas das paixões singulares que são o temor e a piedade, já que por seu intermédio di  ‘eleou kai phobou, pelo intermédio da piedade e do temor somos purgados, purificados de tudo o que é dessa ordem.” 
                                 (LACAN, idem, p.300)


“Isso estoura no momento em que Creonte decreta o suplício ao qual Antígona será destinada  -  ela vai entrar viva na tumba, o que não é uma imaginação das mais regozijantes.  Asseguro-lhes que em Sade isso é colocado no sétimo ou oitavo grau das provas dos heróis, é preciso com certeza esta referência para que vocês se deem conta da importância da coisa.  É precisamente nesse momento que o Coro diz literalmente  -  Esta história deixa-nos loucos, largamos tudo, perdemos a cabeça, por esta menina estamos apossados pelo que o texto chama, com um termo cuja propriedade rogo-lhes reter, de ímeros enarges.
Ímeros é o mesmo termo que, em Fedra, designa o que tento apreender aqui como o reflexo do desejo na medida em que ele cativa até mesmo os deuses.  É o termo utilizado por Júpiter para designar suas relações com Ganimedes.  Ímeros enarges é literalmente o desejo tornado visível.  Tal é o que aparece no momento em que vai-se desenrolar a longa cena da subida ao suplício.
Após o canto de Antígona, no qual se intromete o trecho discutido por Goethe do qual lhes falei outro dia, o Coro retoma com um canto mitológico em que, em três tempos, ele faz aparecer três destinos especialmente dramáticos, que são orquestrados nesse limite entre a vida e a morte, do cadáver ainda animado.  Encontra-se na própria boca de Antígona a imagem de Níobe que, presa num estreitamento do rochedo, permanecerá eternamente exposta às injúrias da chuva e do tempo.  Tal é a imagem limite em torno da qual gira o eixo da peça.” 
                                 (LACAN, idem, p.324)


“É também de lá que a imagem de Antígona aparece-nos sob o aspecto que, literalmente, diz-nos ele, faz o Coro perder a cabeça, inflige as justas injustiças, e faz o Coro transpor todos os limites, jogar fora todo o respeito que ele pode ter pelos editos da Cidade.  Nada é mais comovente do que esse Hímeros enarges, esse desejo visível que se depreende das pálpebras da admirável moça.
A iluminação violenta, o clarão da beleza coincidem com o momento de franqueamento, de realização da Até de Antígona, eis o traço ao qual eminentemente dei relevância, e que nos introduziu na função exemplar do problema de Antígona para determinar a função de certos efeitos.  É por meio disso que se estabelece para nós uma certa relação ao para-além do campo central, mas igualmente o que nos impede de ver sua verdadeira natureza, o que nos ofusca e nos separa de sua verdadeira função.  O aspecto comovente da beleza faz vacilar todo juízo crítico, detém a análise, e mergulha as diferentes formas em jogo numa certa confusão, ou de preferência num cegamento essencial.” 
                                 (LACAN, idem, p.340)


Hímeros enarges, é aí que está a miragem central que, ao mesmo tempo, indica o lugar do desejo na medida em que é desejo de nada, relação do homem com sua falta a ser, e impede de ver esse lugar.” 
                                 (LACAN, idem, p.357)