APRESENTAÇÃO
Se o artista antecede o psicanalista, a psicanálise deve-se deixar aplicar pela arte. Eis a única maneira para que ela se separe de sua origem médica, pois é “a última flor da medicina” (Lacan). E isso sem deixar de ser um tratamento: o tratamento do real pelo discurso. Não existe psicanálise “aplicada” à obra de arte, pois a psicanálise como tratamento pelo discurso só se aplica a sujeitos. No entanto, existe a arte aplicada à psicanálise para que tampouco esta não caia nas teias das aderências psis que permitiram uma ego psychologie e nem na pura lógica matemática de acento paranóico cedendo à tentação científica de foracluir o enigma do ser falante. Entre o matema e o poema, duas formas de tratamento do real: a primeira procura cingi-lo, o segundo representá-lo. Lacan passou do matema ao poema como norte da prática do analista.
Se o artista antecede o psicanalista, a psicanálise deve-se deixar aplicar pela arte. Eis a única maneira para que ela se separe de sua origem médica, pois é “a última flor da medicina” (Lacan). E isso sem deixar de ser um tratamento: o tratamento do real pelo discurso. Não existe psicanálise “aplicada” à obra de arte, pois a psicanálise como tratamento pelo discurso só se aplica a sujeitos. No entanto, existe a arte aplicada à psicanálise para que tampouco esta não caia nas teias das aderências psis que permitiram uma ego psychologie e nem na pura lógica matemática de acento paranóico cedendo à tentação científica de foracluir o enigma do ser falante. Entre o matema e o poema, duas formas de tratamento do real: a primeira procura cingi-lo, o segundo representá-lo. Lacan passou do matema ao poema como norte da prática do analista.
A
psicanálise sempre foi tributária da
arte: a tragédia de Sófocles deu a Freud
a pista para o complexo de Édipo e para um gozo para além do princípio do
prazer, de Shakesperare sua forma neurótica e disfarçada na patologia do ato, Leonardo
da Vinci lhe deu a estrutura da fantasia
e as vicissitudes da pulsão escópica; Jansen, o delírio histérico e a
interpretação analítica a partir da equivocidade das palavras, Michelangelo, a
definitiva morte do pai, etc. Para Lacan, só para citar dois conceitos
fundamentais: o objeto a é tributo
da pintura com o lahr e do som do Shofar com a voze; a letra, recebeu-a do retrato do artista
quando Joyce e sua letter-liter. A psicanálise é também por ambos considerada
uma arte: di pore e di levare; fiat lux
e fiat vox!
É desse lugar da arte antes da psicanálise – e não ao
contrário - que artistas e psicanalistas
são convidados a se expressarem. Lacan foi na Idade Média para encontrar um
lugar próprio para a psicanálise: ela está entre a artes liberais.
O psicanalista deve (soll)
deixar-se ensinar pelo inconsciente artista. O inconsciente literato e sua
prática da letra. O inconsciente musical estruturado pela canção de lalíngua que compõe a enunciação. O inconsciente plástico que retrata e
abstrai, esculpe e modela, pinta e bordeja a paisagem do mundo. O inconsciente performático com seus
atos, passagens ao ato e atuações e criações. O inconsciente teatral como palco
de gozo de sua escritura cênica de fantasias.
O inconsciente cinematográfico
com seus planos-sequência e mise em abîme
que fazem do sonho seu paradigma. Por eles se esparrama a Outra Cena.
A psicanálise aplicada pela arte a um
sujeito. Freud chamou a fala do analista de “arte da interpretação” e Lacan a
qualificou como poética. E seu ato deve ao teatro o conceito de semblante (faz-de-conta)
que longe de ser falso, é um fazer no real com base na verdade. “A arte, diz
Alain Badiou, é rigorosamente
coextensiva às verdades que prodigaliza – essa verdades não são dadas em nenhum
outro lugar a não se na arte”. É só por meio do semblante, calcado numa
verdade, que se Poe alcançar o real. Todas
os artes participam do semblante (Aristóteles chamou de mímesis) que, ao fisgar
o real do desejo, esperta o sujeito em sua verdade.
Antígona de Sófocles, com Lacan, nos faz ver “o ponto de virada que define o desejo... que
vai em direção a uma imagem que detém não sei qual mistério e que faz arregalar
os olhos no momento em que o olhamos”[1].
Essa imagem de Antígona fascina por produzir o himeros o reflexo do desejo, efeito de beleza que capta o
espectador.
Hímeros é o reflexo do desejo que aparece
no cristal da língua, no brilho da voz, na pincelada na tela, no timbre do
músico, no gesto do ator e ... no ato do analista em sua enunciação.
Hímero é o brilho de um personagem de
uma obra secular. Imortal. Do lugar vazio
êxtimo do entre duas mortes nasce ex
nihilo o reflexo do desejo do artista – um poema que se eterniza na poeira dos
séculos. Hímeros é afirmação do duro desejo de durar, desejo de refletir o que do nada se transfigura em arte.
Antonio Quinet