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HÍMEROS è um Colóquio sul-americano sobre essa temática, com 40 trabalhos já confirmados, exposição de pôsteres e vídeos, que serão selecionados, e a pré-estreia de "O ATO" - variações freudianas 2, pela Cia. Inconsciente em Cena. Confira os Palestrantes confirmados com os títulos de suas comunicações em 'PROGRAMAÇÃO'.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

HÍMEROS

 APRESENTAÇÃO
 
Se o artista  antecede o psicanalista, a psicanálise deve-se deixar aplicar pela arte. Eis a única maneira para que ela se separe de sua origem médica, pois é “a última flor da medicina” (Lacan). E isso sem deixar de ser um tratamento: o tratamento do real pelo discurso.  Não existe psicanálise “aplicada” à obra de arte, pois a psicanálise como tratamento pelo discurso só se aplica a sujeitos. No entanto, existe a arte aplicada à psicanálise para que tampouco esta não caia nas teias das aderências psis que permitiram uma ego psychologie e nem na pura lógica matemática de acento paranóico cedendo à tentação científica de foracluir o enigma do ser falante.  Entre o matema e o poema, duas formas de tratamento do real: a primeira procura cingi-lo, o segundo representá-lo. Lacan passou do matema ao poema como norte da prática do analista.




 A psicanálise sempre foi  tributária da arte: a tragédia de  Sófocles deu a Freud a pista para o complexo de Édipo e para um gozo para além do princípio do prazer, de Shakesperare sua forma neurótica e disfarçada na patologia do ato, Leonardo da Vinci  lhe deu a estrutura da fantasia e as vicissitudes da pulsão escópica; Jansen, o delírio histérico e a interpretação analítica a partir da equivocidade das palavras, Michelangelo, a definitiva morte do pai, etc. Para Lacan, só para citar dois conceitos fundamentais: o objeto a  é  tributo da pintura com o lahr e do som do Shofar com a voze;  a letra, recebeu-a do retrato do artista quando Joyce e sua letter-liter. A psicanálise é também por ambos considerada uma arte:  di pore e di levare; fiat lux e fiat vox!
É desse lugar da arte antes da psicanálise – e não ao contrário - que artistas  e psicanalistas são convidados a se expressarem. Lacan foi na Idade Média para encontrar um lugar próprio para a psicanálise: ela está entre a artes liberais.
O psicanalista  deve (soll) deixar-se ensinar pelo inconsciente artista. O inconsciente literato e sua prática da letra. O inconsciente musical estruturado  pela canção de  lalíngua que compõe a enunciação.  O inconsciente plástico que retrata e abstrai, esculpe e modela, pinta e bordeja a paisagem do  mundo. O inconsciente performático com seus atos, passagens ao ato e atuações e criações. O inconsciente teatral como palco de gozo de sua escritura cênica de fantasias.   O inconsciente cinematográfico com seus planos-sequência e mise em abîme  que fazem do sonho seu paradigma. Por eles se esparrama a Outra Cena.
A psicanálise aplicada pela arte a um sujeito. Freud chamou a fala do analista de “arte da interpretação” e Lacan a qualificou como poética. E seu ato deve ao teatro o conceito de semblante (faz-de-conta) que longe de ser falso, é um fazer no real com base na verdade. “A arte, diz Alain Badiou,  é rigorosamente coextensiva às verdades que prodigaliza – essa verdades não são dadas em nenhum outro lugar a não se na arte”. É só por meio do semblante, calcado numa verdade, que se Poe alcançar o real.  Todas os artes participam do semblante (Aristóteles chamou de mímesis) que, ao fisgar o real   do  desejo, esperta o sujeito em sua verdade. Antígona de Sófocles, com Lacan, nos faz ver  “o ponto de virada que define o desejo... que vai em direção a uma imagem que detém não sei qual mistério e que faz arregalar os olhos no momento em que o olhamos”[1]. Essa imagem de Antígona fascina por produzir o himeros o reflexo do desejo, efeito de beleza que capta o espectador.
Hímeros é o reflexo do desejo que aparece no cristal da língua, no brilho da voz, na pincelada na tela, no timbre do músico, no gesto do ator e ... no ato do analista em sua enunciação.
Hímero é o brilho de um personagem de uma obra secular.  Imortal. Do lugar vazio êxtimo do entre duas mortes  nasce ex nihilo  o reflexo do desejo do artista –  um poema que se eterniza na poeira dos séculos. Hímeros é afirmação do duro desejo de durar, desejo de refletir  o que do nada se transfigura em arte.
 
Antonio Quinet
 









[1] Lacan, Seminário VII, p. 290.